sexta-feira, 3 de junho de 2016

um texto que chegou em minha mão. valeu!!


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Desfecho - Encerramento de um processo
João Augusto Pompeia


"RESUMO: O texto destaca os sentidos da palavra desfecho como algo que finalizou, que foi compreendido e a partir do que novos começos são possíveis (...)
Dois pontos principais são propostos para reflexão:

1. as coisas da vida precisam de tempo. aqui não vale a pressa. nem mesmo para sair do sofrimento

2. a clareza da razão não tem a hegemonia absoluta nas questões da existencia. estas têm necessidade de uma compreensão que as abarque num outro plano. o sentido nem sempre surge de um iluminado enfoque racional, mas no contrário, vem chegando a partir da obscuridade.

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Desfecho é uma palavra curiosa que aparece com significados diversos.
o primeiro significado é o de final. mas não um final como qualquer outro. este vem acompanhado de uma certa força e vigor. é uma especie de final marcante, apoteótico.
(...)
desfecho é então o final, mas está também profundamente ligado à totalidade da história.
O mesmo acontece com nossos problemas.
Quanto mais são obscuros e quanto maior nosso envolvimento, mais curtimos o desfecho. temos de ser capazes de penetrar nas questões que o problema apresenta para que o desfecho venha e complete.
(...)
Quanto mais mergulharmos em nossos problemas, no momento em que encontrarmos o desfecho, de fato, ali terminará um ciclo.

O segundo sentido que encontramos para a palavra desfecho é também curioso. Ele é 'momento de ação', em que realizamos ou desfechamos o golpe. Aqui, desfechar tem o sentido de realizar. Não se trata de contemplação. No momento em que algo se encerra, se esclarece, se desfecha, alguma coisa solicita um agir imediato, concreto.
(...)

Mas há um terceiro sentido para esta palavra e aqui o curioso está na pergunta:'Por que chamar o fechamento de des-fechamento?' É que desfecho, ao mesmo tempo que encerra, fecha, também abre alguma coisa.
Todo desfecho é também necessariamente abertura. Quando ele ocorre há a realização de uma ação e nesse momento começa tudo de novo ou outra vez.

Começar de novo não é o mesmo que começar outra vez. Começar outra vez é repetição. 
(...)

No ritual, o deixar para trás e começar de novo é extraordinariamente potente ... isto aparece nos processos de cura. a cura que os feiticeiros realizavam nas tribos primitivas é sempre um recurso para a criação do mundo de novo. eles recriam o mundo e a pessoa, como se o doente ficasse para trás, isto é, morresse para que uma nova pessoa pudesse nascer. Eliade aponta que isto permanece nos rituais judaico-cristãos. Assim, no batismo, estão presentes morte e ressurreição, fechamento e abertura.

Nossa cultura distanciou-se dos rituais que de alguma forma mostravam como as coisas são complexas e precisam de um tempo para acontecer plenamente
Os rituais indicavam para o iniciante as ambiguidades, mostravam que havia algo de morte e também algo de nascimento na passagem, por isso era preciso passar devagar. se houvesse pressa, provavelmente haveria confusão e o necessario para a nova vida não estaria aprendido e disponível.

Nossa cultura é cheia de pressa e com isso vivemos algumas distorções.
(...)
A primeira tentação e o primeiro perigo estão na pressa. em geral, achamos que eficiente é o apressado. a ideia da eficiência está diretamente relacionada a tempo.
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Diante da pressa tão comum podemos fazer algumas considerações sobre a dinâmica da passagem.

Passagem vem de passar. podemos pensar numa ponte ou numa porta. uma ligação entre duas coisas.
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A pressa distorce essa passagem.

Frequentemente quando começamos a ouvir sobre uma situação ansiosa, sofrida, queremos rapidamente acabar com o problema, obter uma resposta e agimos sem imaginar que isso possa ser ruim e que alguma coisa  possa ficar faltando na pressa de alcançar um desfecho.
Diante do sofrimento é comum pessoas  bem intencionadas dizerem:'calma, isso passa' (...) é claro que o sofrimento vai passar. tudo passa. mas passar tambem pode ser uma coisa assustadora, pois aponta para a precariedade, diz que nada veio para ficar. a dimensão da morte contida na perspectiva de que tudo passa assusta. olhando para esse aspecto da passagem, de que nada dura o tempo todo, estamos lidando com uma ameaça concreta.

Existe um momento de tristeza no término de um processo. algo pertence ao passado, foi embora, distanciou-se de nós. e nós, impedidos de parar, temos de ir deixando para trás. mas também há satisfação nesse 'deixar para trás', pois quando nao deixamos para trás é porque alguma coisa 'deu errado'. quando paramos la atrás, nos sentimos 'pesados'.
(...)

Quando dizemos que tudo passa, de certa forma estamos dizendo que tudo se torna nada mais, tudo se nadifica. Assim, tudo o que hoje está sendo objeto de sofrimento daqui a algum tempo será nada. Mas isso nao é necessariamente verdade, felizmente,
Quando na pressa de acabar com o problema apelamos para o 'isso passa' nós nao avaliamos o quanto de transtornos tal afirmação pode trazer para quem ouve.
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É a situação de quem está perdidamente apaixonado.
Perdido e apaixonado juntam-se fortemente. e assim, com o passar do tempo, ela se cansa dessa historia. ela só vê o seu estar perdido, não vê o estar apaixonado e começa a se interessar por outro. (...) O interessante é que, em seguida, ele passa do estado de perdido para o de achado. instantaneamente ao ser abandonado, o apaixonado se acha abandonado. ele sabe muito bem onde está e quem é abandonado.

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Deparar-se repentinamente com a possibilidade do engano, visto que 'tudo passa', faz sentir que tudo é ilusão.
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Frequentemente encontramos certa inquietação do terapeuta por fazer seu cliente 'cair na real'. importante é lembrar aqui que 'na real' só se cai. ninguém 'sobe para a real'. este movimento de descida, especialmente se há pressa para descer, significa tombo. 
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Não é que a ilusão seja um territorio para permanecermos. mas ela não pode simplesmente passar. uma ilusão precisa de um desfecho. quando a ilusão se desfecha ela nos abre para a realidade e nos faz reencontrar o significado daquilo que nela vivemos de tal modo que nos tornamos um pouco mais sábios. nessa condição de sabedoria, por termos sentido o sabor da ilusão e da desilusão, podemos nos iludir de novo.
(...)

Na experiência concreta, sem ilusões não encontramos finalidade. a finalidade é condição para o desfecho porque este corresponde ou ao alcance da finalidade ou à presença de um impedimento radical que finaliza um processo e torna evidente que a finalidade não pode ser alcançada.
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Ele esquece de dizer que tudo passa, mas tudo não volta para o mesmo lugar, e não voltar para o mesmo lugar é uma oportunidade de começar de novo e não meramente outra vez.
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Se esquecemos o que vivemos com tanta paixão, se esquecemos coisas tão significativas num dado momento, não podemos fazer de novo. se há esquecimento, só podemos fazer outra vez, porque no esquecimento não sabemos diferenciar o 'de novo' do 'outra vez'.
(...)

O acontecido não significa um nada, pois é exatamente na hora em que somos abandonados na paixão que podemos compreender profundamente a paixão que vivemos. quando não mais estamos perdidos é que podemos rever uma experiência anterior de perdidos na paixão. isto só pode acontecer quando nos reencontramos. a condição de perdido na paixão, de estar preso e cego por uma esperança que tanto brilha e ofusca todo o resto, nos impede uma clareza.

A principio a clareza ainda está permeada de obscuridade. mas quando nos acostumamos a esta, outras coisas vão aparecendo, inclusive a nossa propria condição de estarmos vivendo na obscuridade, o proprio desejo de encontrar a luz e a propria vontade de mergulhar de novo em algo significativo e cheio de vigor.

Não estamos, no entanto, presos ao mito do eterno retorno. 
(...)
Se esquecermos aquilo que nos afligiu, esquecemos também o que vivemos e quando nos esquecemos de nossas experiencias não chegamos a ser humanos, já que é peculiaridade humana ser e fazer história.
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Mas se deixarmos, simplesmente, tudo para trás, caímos num tremendo vazio e desolação. 
(...)
A compreensão que se abre a partir da ruptura de uma ilusão. diferentemente daquela que provem da clareza da razão, nasce na obscuridade. sua peculiaridade está em aproximar o tragico, o dificil da vida, da possibilidade mais vigorosa de renovação da propria vida.

Como experiência humana, o desfecho é sempre fecho e des-fecho, sempre encerra e propoe, tira alguma coisa e coloca outra no lugar. e esta nova coisa é um jeito de ser diferente do anterior.
(...)

Há mais de uma forma de compreender, de conhecer.
É certo, por exemplo, que no claro é com os olhos que conhecemos. mas no escuro, com os olhos não percebemos e nos perdemos.
(...)

Jung relata que por volta dos 50 anos descobriu que os maiores e mais importantes problemas permitem o movimento daquilo que chamamos de 'vida'. se esses problemas fossem resolvidos ou eliminados, eliminaríamos junto a propria vida. Assim, ele diz que 'os grandes problemas podem ser apenas ultrapassados'.

ultrapassar:
1. deixar para trás
2. compreender.

Quando ultrapassar é compreender nos damos conta de que, de alguma forma, mesmo no centro da desilusão, somos de alguma maneira maiores do que a desilusão que compreendemos. (...) assim, em vez de deixar para trás, a ultrapassagem que compreende e abarca retorna a dimensão do nascimento, do inicio.
(...)

Compreender a perda não se refere a ganhar um entendimento, mas aquela compreensão que se dá na obscuridade e que busca conter.
Somente podemos compreender e conter a perda porque além do horizonte daquilo que se perdeu, há algo a ser ganho. e a primeira coisa que se ganha é a descoberta de que, na desilusão, não morremos. na perda do objeto da propria paixão, nós não perdemos a nossa vida, como muitas vezes acreditamos.
Em algumas ocasiões parece que é vergonhoso sobreviver à morte de uma paixão, à perda do objeto desejado. nessas ocasiões, surge o desejo de sofrimento, como se este fosse a autenticação do significado do vivido. é como se o vivido só pudesse ter sido importante se o sofrimento pela perda fosse também muito grande. não sendo assim, aparecerá o carater do enganoso.

Há um ganho na compreensão de si mesmo que é maior do que a desilusão, uma vez que permanecemos vivos. (...) neste momento, aquilo que se ganha quando se perde pode de alguma forma preparar a continuidade desse processo em que sempre nos encontramos de certo modo perdendo ou ganhando.
(...)

Para que uma grande árvore acontecer, para que um carvalho possa se apresentar no caminho do campo, é necessario que ele mergulhe profundamente suas raizes na terra escura, porque é isso que lhe dá a oportunidade e a condição de expandir a sua copa em direção ao sol brilhante (Martin Heidegger - 'O caminho do campo').

(...)

Este penetrar na obscuridade da terra compreendemos em alguns momentos como sendo o concreto. as expressões de nosso cotidiano 'por o pe no chão', significam esse ENRAIZAR-SE de alguma forma. 'no chão', á primeira vista, estao todas as sujeiras, os detritos e coisas em decomposição. mas, para as raizes, tudo isso significa a origem da vida.
Na nossa vida tambem ha ocasioes em que nos é pedido para mergulhar no solo, como as raizes na obscuridade, na presença do SILÊNCIO, na proximidade daquilo que se pode oferecer como o passado, o detrito, o que já morreu.

O movimento de enterrar profundamente as raízes possibilita alcançar a seiva, o pulsar da vida e o equilibrio.
(...) é o equilibrio que vai permitir que a grande copa da arvore não desestabilize o estreito tronco sobre o qual ela se apoia. não fossem as raizes, nenhuma grande arvore permaneceria em pé. são as raizes que dão o equilibrio.
(...)"

<<<<<< RAÍZES >>>>>

Um comentário:

  1. Texto belíssimo! O Guto tem essa capacidade de expressar o que pensa, sem perder de vista a complexidade. Acrescentando a tudo um profundo envolvimento emocional. É gostoso ler seus textos, é questionador, nos permite sempre um movimento interno.

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