terça-feira, 12 de janeiro de 2021

inquietações residência inclusiva

escrevo esta mensagem como desabafo e infelizmente a deixo restrita a algumas pessoas de minha rede ciente de que sua divulgação indiscriminada pode trazer alguns prejuízos de ordem profissional, o que pode não ser interessante no momento. portanto, peço que entendam meu posicionamento ..

🌻 em 2020 trampamo pa dedeu! 🌻

um trampo inspirador, que me roubou palavras .. por diversas vezes me vi incapaz de nomear a potência do que foi construído, inda mais considerando o contexto de pandemia. aprendemos experimentando. confiamos na experiência e avançamos em muitos pontos.

ceis têm noção do que é manter em isolamento social 20 pessoas com deficiência que já tinham uma vivência na rua ou então que passaram a vida toda trancadas e que só agora começavam a acessar seu direito à cidade?

mano, mó responsa ..

escrevi sobre isso ainda em março, sobre como era essencial que o isolamento fizesse sentido como medida de saúde pública e não como reprodução de um modelo asilar que por décadas confinou esses corpos. era um trampo de todo dia, o dia todo.

mas conseguimos!

chegamos em dezembro com uma pá de rolê pra celebrar! 

em termos de equipe, o trampo fluía dum jeito que deixava com gostim de quero mais. eu trampando 12 horas por dia em dois emprego e só conseguia pensar em como num conseguiria não amarrar o serviço em 2021. eu num poderia não participar do que estava por vir ..

dentre as ações realizadas, ampliamos sobretudo espaços de discussão, cumprindo com um cronograma super importante de escuta dos demais funcionários, validando seus saberes e colocando tudo isso pra girar, dando continuidade ao trabalho, deixando tudo coeso entre todos os plantões. diálogo forte, discurso de unidade. todo mundo sabia de tudo, algo muito difícil de se conseguir num equipamento que num para nunca e que se divide em duas casas.

já oiando pros usuários do serviço, praticamente sem casos de violência ou heteroagressão durante todos os meses do ano, um marco em se tratando de pessoas que em sua maioria possuem um histórico forte de violência, rupturas e abandono.

ampliamos, com eles, protagonismo e poder de decisão dentro da casa, foram feitas assembléias para que eles mesmos propusessem e discutissem as regras. criaram, namoraram, aprenderam a paquerar virtualmente, assumiram sua sexualidade, descobriram que era possível conversar quando a barra apertava. juntaram e gastaram dinheiro, alguns pela primeira vez na vida.

procuraram emprego, conseguiram trabaiar. finalmente um deles topou fazer acompanhamento psicológico, algo decisivo para seu projeto de cuidado.

descobrimos familiares, contestamos decisões judiciais, reaproximamos da família, fortalecemos incrivelmente a rede, que agora nos conhecia e nos reconhecia. que nos procurava, que nos referenciava. aparecemos, finalmente!

que trampo maravioso tive o privilégio de fazer parte.

uma pena que a própria rede assistencial não se leva a sério, e acho que é por isso que o trampo na assistência nunca vai pra frente. ele não se óia, ele não se percebe como potente, não identifica sua função e compromisso ético, técnico e político. 

eu não trabaio por amor. eu trabaio pruma política pública e componho uma equipe multidisciplinar pra fazer valer os direitos dessas pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade.

eu não sou paga pra fazer carinho. eu sou paga, com dinheiro público, pra fazer essa galera experimentar a vida dum outro jeito. pra que se assustem com os "sim". pra que num se sosseguem nos "não", sempre muitos ..

sou paga pra que se confundam com as próprias possibilidades.

e infelizmente todo esse trampo não é valorizado. pelo contrário, fomos atacadas por quem também deveria tá implicado cem por cento nesse processo.

nosso trampo foi boicotado sob a alegação de estarmos regredindo com o serviço. tudo o que fizemos esse ano foi reduzido a nada, resultando na demissão extremamente arbitrária de uma colega que tava lá mil grau fazendo o rolê ir pra frente, inspirada e inspirando.

minha aliada no dia a dia, nos planos, nas discussões ali dentro .. sempre tão urgentes.

sua demissão não foi pautada, não foi discutida em equipe. de férias, se não fossemos hoje amigas, ficaria sabendo de seu desligamento através de grupos de whatsapp, dos quais ela foi excluída sem ao menos ter a oportunidade de se despedir, dando a impressão de que havia cometido algo muito grave no contexto do serviço, o que é no mínimo inadmissível e injusto com o trampo daora que ela construiu ali dentro por quase dois anos, complementando nossas ações no dia a dia com sua visão técnica e sua grande habilidade em discutir casos complexos e manejar situações de conflito, inclusive dentro da própria equipe.

desde então num me vejo quieta ..

entendo que meu cargo está em risco, e por isso tento me resguardar dentro do possível, no entanto acho importante me posicionar também por aqui como uma forma de dar vazão a esse sentimento horrível de impotencia que tô sentindo e que só se junta com mais um tanto de bosta dentro desse ano maleducado que nois tá teno que enfrentar com força misteriosa.

é um desabafo importante ..

num penso em desistir porque me sinto provocada por esse novo cenário .. mas é sempre muito triste quando trabaiam contra por pura vaidade, ignorância e medo. 

e no final, quem perde é quem sempre perdeu, fazeno igual essa história que nois insiste em querer fazer diferente ..

resistimos! ✊


zuba