ÉTICA - Bom dia, Senhor Courbet!
Adauto Novaes (org.)
Geralmente as discussões sobre as obras
encontram suas questões nas relações entre o subjetivo e o objetivo; entre o
que é biografia individual ou a pintura propriamente dita. Há também a
discussão sobre obras que despertam e que solicitam de nós sensações e
sentimentos para que, enfim, sejam apreciadas.
David foi um artista que celebrou a
revolução francesa e o império napoleônico; Delacroix pintou a liberdade
política e Courbet .. Courbet
está na marginalidade, no que ainda não tem valor constituído. À arte de Courbet atribuem a estética realista,
embora não exista nele a ideia de uma objetivação do real/não tome o real
enquanto algo autônomo.
O campo da marginalidade é o território
de eleição, um território privilegiado em relação ao dos outros homens. O
artista marginal é aquele que não deve mais nada nem ao mundo, nem a ninguém, a
não ser a si próprio! Ele está acima dos outros homens e isso faz com que ele
seja obrigado a construir uma ética para si.
Courbet, portanto, é
autônomo. Está cagando e andando para os outros. Quer causar, faz o que sente
vontade. Diz que “todo artista deve ser o seu próprio mestre”, botando pra fora
todas as suas individualidades ao passo que assume “a plena liberdade de sua
expressão própria”.
Courbet não curte
instituições. Não curte escolas. Não curte academicismos. Não curte um monte de
coisas, no entanto isso não faz dele um “mero espontâneo”. Há em Courbet a ideia da arte ligada à
fabricação, e nela está subentendido o domínio dos processos que levam à
realização do objeto artístico.
O artista, ainda, grita a quatro
cantos a ruptura com as instituições e com as tradições culturais imperantes.
Mas que tradições seriam essas? As clássicas (Courbet recusa o belo ideal, aquela referência greco-romana) e as
românticas (o imaginário, literário, o sentimental ..). Courbet na real tem horror ao ideal e ao imaginário. Para ele, as
formas da cultura são convencionais, superficiais, supérfluas e enganadoras.
Mas se Courbet recusa o imaginário, instituições, a cultura, o ideal e a
pedagogia (“todo artista é mestre de si”, logo Courbet jamé poderia ensinar algo a alguém) .. que que sobra?? Bom,
resta a ética da simplicidade e a ética do olho.
Para Courbet, o artista só pode retratar o que está ao seu alcance (“eu
pinto o que eu vejo” – o privilégio do olhar vinculado a uma individualidade) e
isto num sentido profundo de conhecimento íntimo, de vivido. Assim, “a cultura
do meu olho é determinado pela cultura a qual pertenço, por aquilo o qual eu
estou, verdadeiramente, familiarizado”. (OBS.: estas não são citações de Courbet, mas sim interferências do
cara que escreveu esse baguio sobre Courbet).
Carinha simpático esse Courbet, não é mesmo? E qual é a do
universo dele? Que que compõe o seu universo? Bem, guarde aí: ele mesmo, as
mulheres, a natureza (mas em paisagens que ele manja, que ele conhece) e os
camponeses (os que ele conhece, os que são da sua região).
Esse universo deve ser pintado
eliminando todo o sentimentalismo e toda a eloquência. O olhar deve ser
simples, deve tratar, sem efeitos fáceis e com grande fidelidade, aquilo que
ele está representando.
Tá, mas já que esse modelo de artista
sugerido por Courbet deve fazer
sua própria ética, qual seria a ética da marginalidade, afinal de contas?
Para Courbet, é central na ética desse artista é o papel atribuído ao
próprio artista. Nesta ética, o artista é o pica das galáxias e tem muito mais
importância do que o objeto artístico. Assim, os camponeses que ele pinta não
são importantes aos seus olhos porque simplesmente eles são apenas os
camponeses. No entanto, a importância mora no fato de que eles existem
artisticamente por um ato instaurador que saiu do artista. Logo, não se trata
da ética da arte, mas, sim, da ética do artista.
Somando a essa figurinha marota, devo
dizer que Courbet causava. Era
um figurão narciso, autoglorificava-se e se colocava em evidência sempre que
achava a oportunidade. O corpo era importante para Courbet, ainda mais porque desde sempre ele era gatão, mas
aí depois ele fica meio gordinho e vira chacota dos migos, rendendo uma penca
de caricaturas e de descrições horripilantes dele. Pois é, o bullying foi
pesado!
Caramba, que cara chato .. mó narcisão.
Pois é! Mas Courbet era esperto e se valia de seu narcisismo enquanto
instrumento afirmador do lugar, ao mesmo tempo marginal e superior, do artista.
Então ele é bem narciso mesmo na pintura, mas se ele não fosse desse jeitinho
muito não teria sido discutido em relação à figura do artista. E talvez aqui
esteja o lado bom da Sabrina (hehe :-p)
Quer exemplo disso? Têm altas pinturas
de Courbet em que ele se
representava sendo o fodão da parada em relação ao público que o apreciava, mas
sempre naquele esquema: pintando apenas o que ele via.
Há uma pintura em específico, a “Bom
dia, senhor Courbet!”, que
demonstra legal essa questão. Duas pessoas (que representam o publico. E é um
publico conhecido) tão pagando mó pau pra ele. E Courbet tava lá, suavão, andando à pé, em sua maior autonomia,
indo pronde queria ir. No entanto, alguns estudos encontraram uma referência
legal dessa pintura, sugerindo que a mesma fora inspirada em outra bem similar,
que já existia. Nessa outra pintura (que é uma gravura), um judeu errante
estava na mesma posição que Courbet,
insinuando que era assim que o artista se sentia: ”um personagem que não tem o
seu lugar, que está fora da sociedade, que é vagabundo, que está À MARGEM
dela”.
Assim, Courbet bate o pé e confirma que, para ele, o artista é sim um
marginal.
No entanto, porém, contudo, todavia, o
que diferencia Courbet dessa outra pintura em específico, é que Courbet não se
enxerga apenas como um artista marginal, não. Mas sim como um artista marginal
que é zicão, superior. Portanto, ele é obrigado a estabelecer uma ética de
fidelidade à sua arte, isto é, renunciar o próprio lugar no mundo porque sabe
que o seu lugar está no universo elevado da arte, e ela vale o seu sacrifício!
No século XIX houve um considerável
processo de transformação do papel do artista que rola logo depois que David
fica famosão/poderoso. Courbet,
então, será o primeiro a encarar a produção artística como algo independente,
livre do poder e das instituições e de qualquer ética que não seja a própria do
artista.
Ao traçar esse terreno marginal,
estabelece-se o lugar (ou o não-lugar) do artista de vanguarda, tendo estes
surgindo logo após ele. Estes artistas serão mais radicais, a ponto de ignorar
o mundo ou sacrificar a razão, a vida, pela atividade artística, como por
exemplo Gauguin, Van Gogh e Cézanne.
Quer mais exemplos da fodice de Courbet?
Courbet, ao recusar uma
oferta dum trampo lá de Napoleão, redigiu um dos maiores documentos que
retratam a "dignidade humana", tendo em vista que o artista teve a
moralzinha de negar o $ e reconhecimento de um Estado que cagava e andava pra
arte. Se Courbet aceitasse,
caíria por terra tudo o que ele pensava sobre a figura do artista.
Nesta carta, Courbet diz: “Tenho 50 anos e sempre vivi livre; quando morrer,
quero que digam de mim: aquele nunca pertenceu a nenhuma escola, a nenhuma
Igreja, a nenhuma instituição, a nenhuma academia, sobretudo a nenhum regime, a
não ser o regime da liberdade".
Courbet, zica memo, eim?
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