terça-feira, 22 de julho de 2014

eu me saio eu me entro




''Não sei quantas almas tenho
Cada momento mudei
Continuamente me estranho
Nunca me vi nem acabei
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.

Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é.
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem.

Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li 
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu."


Fernando Pessoa


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